sábado, 21 de novembro de 2015

Livro: Senhor das Moscas

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Livro: Senhor das Moscas
Autor: William Golding
Editora: Alfaguara
Páginas: 224


"As regras!" Gritou Ralph. "Você está desobedecendo as regras!"
"Estou pouco ligando!"
Ralph fez o possível para manter a calma.
"Mas sem regras a gente não tem nada!"
Só que o Jack gritava mais com ele.
"Que se danem as regras! A gente é forte – e caça! (...)"

Pág. 101 , o monstro da água


O Senhor das Moscas narra a chegada de um grupo de crianças a uma ilha deserta após a queda de um avião que os estava levando para longe dos horrores da guerra. Sem nenhum adulto sobrevivente para acolhe-los, acalma-los ou liderá-los nesse lugar desconhecido.
A princípio eles olham para a ilha e a veem apenas como um lugar para diversão. Porém, quando eles começam a se dar conta da realidade que os cercam, começam a tentar organizar as coisas da forma que acham melhor, criando suas próprias regras e condutas, muitas vezes baseados no que acham que os adultos fariam se estivessem em igual situação.
Alguns personagens recebem maior destaque na narração. Ralph é um dos primeiros a aparecer, logo no inicio ele acha uma concha, que se torna um objeto que simboliza a democracia na ilha. Quando ele sopra a concha os outros sabem que devem ir, foi assim que a primeira reunião foi convocada, as demais crianças atendem ao chamado da concha. Se alguém, mais especificamente o Ralph, a toca, significa que estão sendo convocados. Na primeira reunião o Ralph é eleito líder do grupo escolhido pela maioria, logo, ele sente a necessidade de começar a pré-estabelecer regras para tentar manter a ordem na ilha, uma delas é que se alguém estiver segurando a concha durante uma reunião, todos devem parar para ouvir; também é estabelecido que uma fogueira deve sempre ser mantida acesa no lugar mais alto da ilha, para que se algum navio passar perto poder ver o sinal de fumaça. E no decorrer do livro regras, que o Ralph acha serem melhor para todos, são estabelecidas de acordo com a necessidade do momento.
Também nos é apresentados personagens como Porquinho, Jack e Simon. Porquinho é o primeiro a encontrar com Ralph; gordinho, míope, com asma e problemas de autoestima se torna o alvo de criticas e violência de muitos, mesmo, sempre estando com a razão. Porquinho sem dúvida é o mais lógico e inteligente do grupo, porém é desprezado, mas a longo prazo todos sabem que sua opinião é a que mais vale no final das contas. Jack é a oposição, quer demonstrar força acima de tudo, e não respeita a liderança de Ralph diversas vezes, a primeira vez que é visto na praia é com seus "seguidores" em aparente formação militar, obedecendo-o e imitando-o em suas ações. Jack acha que Ralph foi eleito líder equivocadamente, e sempre o confronta em decisões.
A história segue-se em como os meninos tentam se organizar sem a presença de nenhuma autoridade para regê-los. É perceptível ao longo da história todo esforço da Ralph para tentar criar uma vida social na ilha enquanto esperam o resgate, incerto, chegar; porém, o esforço é em vão, pois fica bem claro na narrativa que a maioria dos meninos escolhem a Barbárie ao invés da tentativa de se manterem civilizados.


O Ralph é a personificação da democracia, porém é necessário saber administra-la, pois quando dada ao povo em excesso torna-se anarquia, e é o que acontece na ilha, nas reuniões especificadamente, quando a concha começa a passar de mão em mão e todos expressam suas opiniões e medos confundindo a mente dos demais, principalmente dos mais novos que são levados pela maioria. Eles não tem discernimento o suficiente para entender algumas coisas, então suas reações são apenas reflexos das reações dos mais velhos. O Ralph é a espécie de líder nato que conhecemos, ele inspira confiança nos demais e esse foi o principal motivo de ter sido eleito.
O Jack entretanto é totalmente o oposto, sempre se impõe usando a força e oferecendo uma falsa liberdade total a todos, para ele não há limites, desde que todos o obedeçam.
Na ilha não há autoridade, nenhuma instituição ou deus. É intocada. Contudo as crianças que lá chegam, já vêm com uma carga cultural e tentam reproduzir na ilha aquilo que elas acham que os adultos fariam se estivessem ali. Logo, é visto de forma sutil um pouco de ironia. Pois as crianças tentam se comportar como adultos e fica claro que em muitas situações os adultos se comportam como crianças. Elas reproduzem o comportamento humano diante de situações diversificadas. Eles não eram nem de todo bons ou maus em suas essências, porém as circunstâncias fizeram despertar o mal inconsciente que havia em cada um. Em alguns mais que outros. Durante todo o livro eles são crianças, são descritos como crianças e sabem que são apenas isso. Mas, nós leitores, acompanhamos a perda da inocência de cada um, e como a violência acompanhada da anarquia emerge com facilidade quando acha-se que o perigo é eminente.


Há um elemento místico inserido na história: a ideia de um Monstro. Citado inicialmente pelos meninos menores, os maiores acham que é apenas o medo se personificando na mente dos pequenos, porém há momentos no livro que todos chegam a ver a tal figura.
Em determinado momento o Jack vê a oportunidade de usar a ideia de monstro para manipular os outros a passarem para o "seu lado". Assim, após caçar um porco/javali, corta a cabeça do animal a enfia em uma lança e finca a lança na suposta caverna onde o monstro deveria habitar. Então, o Senhor das Moscas, Belzebu ou Baal-Zeboub, é justamente a cabeça do porco que é colocada em oferenda ao monstro em uma espécie de ritual no qual os meninos fazem a oferenda para que o dito monstro não os persiga mais.


Um dos temas centrais do livro é a natureza do mal, personificado pelo Senhor das Moscas. O Simon é o único que, em uma parte fantástica, consegue dialogar com a cabeça do porco e chega até a ser misticamente ser engolido por ela. Ele também é o primeiro a afirmar que provavelmente não há nenhum monstro na ilha, apenas eles mesmo. E com isso subentende-se que era óbvio que o instinto pela sobrevivência faria a maldade dentro deles se tornar superior a bondade.


A história é complexa e completa em analogias, porém a forma como foi escrita a torna totalmente compreensível independente dos conhecimentos do leitor sobre outros temas, e de certa forma a narração acaba por instigar a curiosidade sobre várias ideias presentes na trama.
O Senhor das Moscas é uma história forte, que trata de conflitos sociais, regressão ao instinto da natureza que faz alguns personagens agirem selvagemente e como consequência de diversos fatores a morte de inocentes. Também trata sobre o mal presente no nosso inconsciente e sinaliza para não nos deixarmos ser controlados por ele. Talvez o mal e a barbárie estejam presentes em todos, mas é necessário a busca pelo equilíbrio entre a natureza e a cultura. É impossível ver a exata transição de quando o inconsciente passar a se tornar ações, porém algumas coisas são facultativas independente da situação vivente e isso fica claro no romance de Golding, pois ele consegue mostrar os dois lado, ele consegue mostrar que sempre haverá a escolha e que é preciso respaldo para que as nossas ações não nos façam regredir a condições primitivas.


“As noções do bem e do mal, de justiça e de injustiça, não podem ter lugar aí. Onde não há poder comum não há lei. Onde não há lei não há injustiça. Na guerra, a força e a fraude são as duas virtudes principais. A justiça e a injustiça não fazem parte das faculdades do corpo ou do espírito. Outra consequência da mesma condição é que não há propriedade, domínio, distinção entre o meu e o teu. Pertence a cada homem somente aquilo que ele é capaz de conseguir, e apenas enquanto for capaz de conservá-lo. É esta a miserável condição em que o homem realmente se encontra, por obra da simples natureza”. - Thomas Hobbes